domingo, 22 de setembro de 2013

Primavera, maternidade e fertilidade, Rubem Alves

Horta em Mandala - Bairro Demétria - Botucatu - SP



“Horta se parece com filho.
Vai acontecendo aos poucos, a gente vai se alegrando a cada momento, cada momento é hora de colheita. Tanto filho quanto a horta nascem de semeaduras. Semente, sêmen: a coisinha é colocada dentro, seja da mãe/mulher, seja da mãe terra. E quando germina – seja criança, seja planta – é uma sensação de euforia, de fertilidade, de vitalidade. Tenho vida dentro de mim! E a gente se sente um semideus, pelo poder de gerar, pela capacidade de despertar o cio da terra.
Não é a toa que povos de tradições milenares ligavam a fertilidade da terra à fertilidade dos homens e das mulheres e faziam as suas celebrações religiosas em meio aos campos recém-semeados.” Rubem Alves, Plantar e Amar

Com o solstício de primavera contemplamos o milagre da vida que se renova, a força dos ciclos sazonais que se repetem ano após ano. Aqui na ilha de Santa Catarina a mudança de estação veio com chuva forte, após um longo período de seca que já estava a esturricar a terra e hortaliças aqui do nosso quintal a beira mar. Bom para secar fraldas e roupinhas do bebê, é verdade. Também para curtir um solzinho matinal enquanto o pequeno descobre o sabor das framboesas e bananas com que nos brindou o inverno. Mas com a chegada da chuva vi sorrir os botões de jasmim, germinar as favas, crescer a pitangueira e colorir a espiral de verduras que plantei especialmente para nos nutrir neste período de amamentação.
Deixar pra trás a abundância do florescimento das lavandas e camomilas que pareciam adorar aquele frio seco e ensolarado, e colher o café na beira do manguezal, as pimentas dedo de moça que pipocam de um pezinho pequenino assim que nem dois palmos.
Se estiver relatando disparidades sobre a miscigenada flora latino-afro-euro-asiática que observo por aqui alguém avisa. É que psicologia é o estudo da alma... Planto pelo prazer de plantar, contemplo por contemplar, por vezes simpatizo com as plantas independentemente de sua origem. E ainda essa cousa de ter nascido no Brasil me dá uma tendência a misturar os elementos no estilo dendê com curry. Caminho do meio entre o caldo cultural e flora nativa.
Farofa de banana, kibe de abóbora, mel com pimenta. Também aprecio em especial a monodieta de inhame. No primeiro trimestre de gravidez era o que eu mais comia: purê de inhame com azeite de oliva e manjericão ou outro temperinho verde. O corpo pedia, eu escutava. Amar, rezar, nutrir e descansar, não necessariamente nesta mesma ordem.
Diz Humberto Maturana que todo ato de conhecer faz surgir um mundo, e não há nada maior do que começar pela escuta atenta. Escuto dentro, escuto fora.
Ressoa?
Como?
Este texto, muito mais do que uma teorização é um convite ao mergulho dentro nós mesmos. Atentar a esta primavera, que nos chega com a lua crescendo e convida a apreciar. Apreciação das flores e dos valores. Das motivações de vida que superem os boicotes internos e externos. Que libertem. Que floresçam!
Organismos e meio variam de modo interdependente.
Numa linhagem de unidades historicamente conectadas.

Rubem Alves


Fonte: Plantar é Amar. Horta é Saúde. Edições Guia Rural, Ed. Abril, São Paulo.

Seja muito bem-vinda PRIMAVERA!!!

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