domingo, 26 de julho de 2015

Tudo cura, tudo acaba, Padre Antonio Vieira

Catedral Sant´Ana - Padroeira de Botucatu - SP
Aquarela de Monica Stein



[...] Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore quanto mais a corações de cera! São as feições como as vidas, em que não há mais certo sinal de haverem durado pouco, do que terem durado muito. São as vidas como linhas espirais, que partindo do centro, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão vigoroso que chegue a ser velho. De arco e flecha que lhe armou a natureza, desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco com que já não mais atira; embota-lhe a seta, com que já não mais fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda essa diferença, é, porque o tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem mais as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
Padre Antônio Vieira (1608-1697)

In: Sermão do Mandato, parte III, Sermões (1643).

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